terça-feira, 30 de setembro de 2008

### 8 – Laisser faire, laisser passer - 5 - 29/09/2008

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Os agentes econômicos respondem a estímulos na sua ação racional (i.e., ação capaz de formular estratégias e que não erra sistematicamente) e voltada ao seu interesse próprio (i.e., que busca a maximização de sua satisfação por meio do atendimento ótimo das suas necessidades).

sábado, 27 de setembro de 2008

XXXV - Acerca de um pensamento "abominável" que se pode concluir a partir da analogia pseudo-sociológica da "linha de montagem".

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§ 35







Nos habtat, non tartara, sed nec sidera caeli: Spiritus, in nobis qui viget, illa facit. (Agrippa, Epistulae)

Há verdades cuja obscenidade é insuportável.

Já que as duas coisas são incompatíveis, o que é mais importante: a "verdade" ou a "felicidade"? (1)
Fiz-me, acaso, vosso inimigo dizendo-lhe a verdade? (Gálatas 4:16)
Interpretado timidamente, esses desejo de não enganar pode passar por um quixotismo, uma pequena sem-razão de entusiasta; mas é também possível que seja coisa pior: um princípio destruidor, inimigo da vida. "Querer o verdadeiro" poderia ser, secretamente, querer a morte. (Nietzsche, Gaia ciência, V, § 344)

No fundo, abstraindo da representação e das suas formas, é uma única e mesma vontade de viver que se mostra neles todos, e que, desconhecendo-se a si própria, volta contra si suas próprias armas (...). (Arthur Schopenhauer, O Mundo como Vontade e como Representação, Tomo I, § 65)
Basta recordar quanto sofrimento é poupado àquele que não tem muitas idéias e quanto mais "de acordo com a realidade" se comporta quem aceita a realidade como verdadeira, e até que ponto dispõe do domínio sobre o mecanismo somente aquele que o aceita sem objeções, (...) (Theodor W. Adorno, O fetichismo na música e a regressão da audição)

Há aqueles que vivem nas trevas, enquanto outros vivem na luz. Somente podem ser vistos os que vivem na luz. (Bertolt Brecht)
(...) a fome (e ele chupava filosoficamente a asa do frango), a fome é uma prova a que Humanitas submete a própria víscera. Mas eu não quero outro documento da sublimidade do meu sistema, senão este mesmo frango. Nutriu-se de milho, que foi plantado poe um africano, suponhamos, importado de Angola. Nasceu esse africano, cresceu, foi vendido; um navio o trouxe, um navio construído de madeira cortada no mato por dez ou doze homens, sem contar a coradalha e outras partes do aparelho nautico. Assim, este frango, que eu almocei agora mesmo, é o resultado deuma multidão de esforços e lutas, executados com o único fim de dar mate ao meu apetite. (Quincas Borba em Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, cap. CXVII)


Duan: "Do jeito que você fala, é como e a civilização escravizasse as pessoas. É como se as pessoas vivessem para servir à sociedade, e não o contrário."

Conrado: "Bem.., eu sei que é difícil admitir isso...Mas eu tenho a sensação de que a civilização e a maioria das pessoas servem para trabalhar em prol de uma minoria, cuja vida é uma contínua fruição de prazeres. "

Duan: "Como assim?..."

Conrado: "O sofrimento causado por doenças, exclusão social, pobreza, exploração do homem pelo homem, desajustamentos de toda espécie, injustiças...todo esse sofrimento, que vitima a maioria das pessoas, é necessário, é conditio sine qua non , para que uma minoria viva uma vida harmoniosa e bela, equilibrada e prazerosa, o que vem a ser, afinal de contas e sob o ponto de vista da plenitude da vida, o objetivo último da sociedade e da própria vida, consideradas sob o ponto de vista geral. Essas poucas pessoas - deixe-se bem claro - não são necessariamente as mais ricas da sociedade. Certas pessoas - pouquíssimas, é verdade - transmitem pela linguagem corporal e pela voz tal harmonia, tal paz e, é necessário confessar, tal futilidade, que nos fazem desconfiar seriamente quanto a possibilidade delas nunca terem sofrido na vida.
A felicidade do indivíduo se consubstancia por meio do sacrifício de indivíduos. Em outras palavras: a felicidade de um é o suplício do outro. O prazer se paga com a dor."

Duan: "Espera aí, você está dizendo que o sofrimento de um se justifica na medida em que é condição necessária para o prazer do outro?"

Conrado: "Exatamente. Por exemplo: certo dia eu estava lá na Fazenda Rio Grande e vi uma mulher – uma épsilon - parda, de baixa estatura, gorda (e nós sabemos que esse tipo de excesso de peso é decorrente de uma alimentação de baixa qualidade) e que puxava junto de si duas crianças pequenas (3 e 5 anos); como se não fosse suficiente, a pobre diaba estava grávida. Minutos depois eu passei em frente à PUC, em Cu-ritiba, e vi, às 16h de um dia de semana, dois caras jovens – dois betas - jogando tênis despreocupadamente.
"O que importa é que eu percebi que esses dois estereótipos sociais não são independentes, eles existem um em função do outro. A vida de prazeres dos rapazes pressupõe mão-de-obra barata, e portanto pressupõe pobreza, doença, feiúra, sujeira, ignorância, etc. Vivemos em uma sociedade de castas concêntricas. Geralmente é possível identificar a qual casta pertence alguém apenas por meio das suas roupas, da sua voz, da linguagem que usa, da forma do seu corpo, do seu olhar e da sua pele (nossa, como eu sou preconceituoso, meu deus...). Qual é a real liberdade de mobilidade social que aquela mulher possui?
"Da mesma forma, todo tipo de doença, de deformidade, de acidente, de sonho frustrado, é, de um ponto de vista puramente estatístico, ‘necessário’ para que existam pessoas que vivam livres de tudo isso, e possam fruir a plenitude da vida. Para que alguns ‘vençam’ o ‘jogo da vida’ se faz necessário - eu repito: se faz necessário - que a maioria ‘perca’. Para que alguns possam gozar a tal da plenitude da vida, muitos devem viver na privação e na indigência.”

Duan: "Um exemplo disso seria alguém que contrai uma grave doença e assim está servindo a outrem, na medida em que o doente preenche a estatística dessa moléstia e assim ‘livra’ outrem de contraí-la?"

Conrado: "Ah sim. Perceba, meu caro, que existe uma DIFERENÇA FUNDAMENTAL entre essa minha visão e a visão padrão: enquanto a visão do lugar comum-insiste insiste insiste insiste e insiste que o sofrimento que alguém padece é um fruto dos seus próprios erros pessoais, a minha visão insiste que esse sofrimento é também – e é, para falar com exatidão, mesmo PRINCIPALMENTE – causado por decisões tomadas por outras pessoas, e não apenas pelos pais, parentes e conhecidos, e não apenas pelos governantes ou pelas grandes empresas, mas também por pessoas que são totalmente alheias ao indivíduo que sofre e que, numa visão “superficial”, não têm ligação nenhuma com ele."

Duan: "Mas dizer que a vida de muitos, na verdade da maioria das pessoas, é um meio e não um fim em si mesmo, dizer que essas vidas se justificam unicamente pelos ‘serviços’ (reais e metafóricos) que prestam a outras, essas sim que valem por si mesmas, isso é um pensamento abominável, desprezível, repulsivo, satânico mesmo."

Conrado: "É, eu sei. Eu apenas estou descrevendo o que eu senti. Eu senti que é assim, embora isso me cause repulsa. Tudo se relaciona com tudo; todos estão interconectados. Ah, se você fosse capaz de entender...Você sabe o que é monismo, não?"

Duan: "Aham."

Conrado: "Então...é a mesma substância, é o mesmo sujeito, que ali sofre para acolá gozar. E esse sujeito se dispõe a isso, aceita isso como suficiente. O que eu posso fazer?"

Duan: "Imagine uma sociedade regida por um pensamento como esse. Seria como o III Reich, seria como se a Alemanha tivesse vencido a II Guerra Mundial."

Conrado: "É, eu sei."

Duan: "Eu não vou aceitar isso."

Conrado: "É, eu sei. Dane-se você. Que diferença faz?"

Duan: "Vá à medra. Doente."

Conrado: "Pior do que ser cego, é ser o único que consegue ver."

Duan: "Pensei que, em terra de cego, quem tinha um olho era rei..."

Conrado: "Acredite no que você quiser."

Duan: "Quanto a isso, não se preocupe, não."

Conrado: "Preocupado, eu?"

Duan: "É, você."

Conrado: "Você."

Duan: “Diga-me algo que eu ainda não saiba.”
Conrado: "Você acha que toda a injustiça, que toda a exploração, que toda a enganação, que o fato de que em todas as sociedades sempre existe duas leis: uma para os pobres e outra para os ricos, você acha, pergunto eu, que tudo isso são ‘erros’ do ‘sistema’? Que ingenuidade! Na verdade tudo isso faz parte do funcionamento normal do ‘sistema’. O governo deve mentir. As pessoas devem se enganadas e exploradas. Esses não são ‘erros’, são, na verdade, parte integrante do mecanismo de funcionamento do ‘sistema’.
“As pessoas não são educadas para ter pensamento crítico, para questionar. Ao contrário, são educadas para serem eleitores dóceis, para serem trabalhadores tímidos, disciplinados e produtivos, e para serem consumidores compulsivos. As pessoas são educadas para acreditar nas instituições: para acreditar no governo, para acreditar nas empresas (no capital), para acreditar nas igrejas para acreditar...nos publicitários [risos]. As pessoas merecem ser enganadas e elas querem ser enganadas. Elas têm o que elas querem e o que elas merecem.”
Duan: "Mais alguma coisa?"

Conrado: “Sabe por que não encontramos ninguém como nós?”

Duan: “Por quê?”

Conrado: “Por que morrem todos muito rápido. Ninguém agüenta viver assim por muito tempo.”

Duan: “Agradeceria a deus, se acreditasse nele.”
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1
Sugerimos que a noção consciente da repressão predominante é obnubilada no indivíduo pela restrição manipilada de sua consciência. Esse processo altera o conteúdo da felicidade. O conceito denota uma condição mais-do-que-particular, mais-do-que-subjetiva; a felicidade não está no mero sentimento de satisfação, mas na realidade concreta de liberdade e satisfação. A felicidade envolve conhecimento: é a prerrogativa do animal rationale. Com o declínio da consciência, com o controle da informação, com a absorção do indivíduo na comunicação em massa, o conhecimento é administrado e condicionado. O indivíduo não sabe realmente o que se passa; a máquina esmagadora de educação e entretenimento une-o a todos os outros indivíduos,num estado de anestesia do qual todas as idéias nocivas tendem a ser excluídas. E como o conhecimento da verdade completa dificilmente conduz à felicidade, essa anestesia geral torna os indivíduos felizes. Se a ansiedade é mais do que um mal-estar geral, se é uma condição, um estado existencial, então esta chamada "idade de angústia" distingue-se pelo grau em que a ansiedade desapareceu de qualquer forma de expressão. (Herbert Marcuse. Eros e civilização, capítulo 4. Negrito adicionado)

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Tempore, quo cognitio simul advenit, amor e medio supersurrexit.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

### 7 – Laisser faire, laisser passer - 4 - 15/09/2008

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Os agentes econômicos respondem a estímulos na sua ação racional (i.e., ação capaz de formular estratégias e que não erra sistematicamente) e voltada ao seu interesse próprio (i.e., que busca a maximização de sua satisfação por meio do atendimento ótimo das suas necessidades).

sábado, 13 de setembro de 2008

XXXIV - Acerca de um diálogo insano, ocorrido com o divino, em respeito à destruição do gênero humano - In extremis (in articulo mortis).

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§ 34







Após tanto saber, que perdão? (T.S.Eliot no poema Generation's)

Eu me tornei a morte, o destruidor de mundos. (Bhagavad Gita)

Melhor é o fim das coisas do que o princípio delas. (Eclesiastes 7:8)

Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus. (Romanos 3: 23)

Porque o salário do pecado é a morte (...). (Romanos 6: 23)

Assim como a criança faminta exaspera-se pelo seio materno, assim também todas as criaturas aguardam a oblação sagrada. (Oupnekhat)


Deus: "Ah! Duan, estou cansado de toda essa merda que eu fiz. Estou velho e rico demais para continuar com isso. Não quero mais."

Duan Conrado: "E o que você predende fazer?"

Deus: "Sabe...eu vou dar todo o meu poder para você. Doravante você é proprietário de cada homem, mulher e criança desse universo. Pronto, decidi."

Duan Conrado: " Hum. São uns coitados. Eu tenho pena de todos eles.”

Deus: "Você pode levar todos eles...faça deles o que quizer."

Duan Conrado: "Honestamente, eu vou quebrar seu coração. Você não devia confiar em mim. Você nunca devia ter confiado em mim."

Deus: "Dane-se, você e o universo. Eu gosto do seu mal-humor cômico."

Duan Conrado: "E quem não gosta?"

Deus: "Bom pra você. E o que você pretende fazer, afinal?"

Duan Conrado: "Vou matar todos. Um por um. Cada um deles. Sem excessão."

Deus: "Então você concorda com Mefistófeles..."

Duan Conrado "'Pois tudo que nasce/De extermínio somente é digno'" (Fausto, versos 1366 e 1367)




Deus: "Sabe, eu gosto de Chocookie. principalmente daquela escura..."

Duan Conrado: "A de chocolate, com gotas sabor chocolate...também?" (À parte: "Ele está aprendendo!")

Deus: É, essa mesma.

Duan Conrado: "Concordo. Mas os biscoitos de Nibiru são imbatíveis."

Deus: "Você sabe que os anunaki são superiores aos humanos em quase tudo, inclusive na arte de confeitar."

Duan Conrado: "Quase tudo. Quase."

Deus: "Quase."

Duan Conrado: "Vou matar todos."




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Tempore, quo cognitio simul advenit, amor e medio supersurrexit.

sábado, 6 de setembro de 2008

### 6 - Em complemento ao capítulo XXXIII.

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(...)

Enquanto a natureza pôs entre os homens as mais amplas diferenças morais e intelectuais, a sociedade não toma conhecimento delas, tendo a todos por iguais; melhor: em seu lugar coloca as diferenças e degraus de classes, de posições, as quais, muitas vezes, são diametralmente opostas á hierarquia natural. Em tal escalonamento, ficam bem os que a natureza colocou embaixo; mas os poucos que havia situado alto saem perdendo; eis por que costumam afastar-se dela, na qual, logo que se torna numerosa, há de predominar a vulgaridade. O que faz com que os grandes espíritos aborreçam a sociedade é a igualdade de direitos, e, portanto, de pretensões, ao lado da desigualdade de capacidades, e, portanto, das realizações (sociais) dos outros. A chamada boa sociedade permite a existência de excelências de toda natureza, menos a das espirituais, que são mesmo tidas como contrabando. Ela nos obriga a ter paciência ilimitada com qualquer tolice, erronia ou boçalidade; os méritos pessoais, porém, têm de pedir desculpa ou ocultar-se, pois a superioridade intelectual ofende por sua simples existência, sem nenhum adminículo da vontade. Por isso, a sociedade a que chamamos boa tem não só a desvantagem de nos apresentar indivíduos que não podemos louvar nem amar, mas também a de nos não permitir que sejamos nós mesmos, do modo que melhor se adapte à nossa natureza; ao contrário, para nos por em harmonia com os demais, ela nos força a nos fazer pequenos e até a nos desfigurar. Discursos e observações cheias de espírito, só perante uma reunião de gente igual; na sociedade comum provocam ódio: para agradá-la é necessário ser trivial e medíocre. Em tal agrupamento temos que renunciar, com dolorosa auto-negação, a três quartos de nós mesmos, a fim de nos parecermos aos demais. Todavia, dirão, teremos “aos outros”; mas quanto mais a pessoa tem em si, tanto mais achará que o lucro não cobre o prejuízo, sendo o negócio a seu desfavor; é que, em regra, esta gente é insolvente, isto é, nada tem a oferecer em compensação do tédio, dos pesares e incômodos e da renúncia imposta pelo seu convívio: a sociedade, em geral, é formada de tal arte, que quem a troca pelo isolamento faz uma boa transação. Acresce que, para substituir a autêntica superioridade, que é a do espírito, que ela não suporta e também é raramente encontrada, adotou a sociedade, discricionariamente, uma superioridade falsificada, convencional, calcada em estatutos arbitrários, propagando-se por tradição entre as classes elevadas e mudando como muda uma palavra de ordem: é o que se chama de “bom-tom”, fashionableness. E quando,não obstante, essa superioridade entra em colisão com a superioridade legítima, mostra a sua fraqueza – Quand le bom ton arrive, le bons sens se retire.
Em princípio, uma pessoa só pode estar em harmonia absoluta consigo mesma e não com o amigo, ou com a amada: pois as diferenças de individualidades e de disposição sempre produzem dissonâncias, mesmo que de leve. Assim, a verdadeira, a profunda paz de coração e a calma completa de espírito – esse bem que é o maior do mundo, depois da saúde – só se encontram na solidão, e, como estado duradouro, só no retiro integral. Aí, se o próprio “eu” for grande e bem dotado, goza-se da maior felicidade que pode haver nesta pobre terra. Seja mesmo dito: posto que os homens estejam ligados entre si pela amizade, pelo amor, pelo casamento, no fundo a criatura é inteiramente sincera apenas consigo mesma, ou,quando muito, para com o filho. – Quanto menos alguém tiver que se por em contato com os homens, em virtude de condições objetivas ou subjetivas, melhor será. Se a solidão e a vacuidade não nos deixam sentir, a um tempo, todos os seus males, permite-nos ao menos abarcá-los com um só olhar; a sociedade, todavia, é insidiosa: por detrás da aparência dos passatempos, da sociabilidade, dos prazeres etc., oculta males enormes e, por vezes, incuráveis. (...) Diga-se mais que aquilo que tem valor real não é respeitado pelo mundo, e o que é respeitado não tem valor real. A prova e a conseqüência disso está no retraimento de todo homem digno e excelente. Assim, para o que tem algo de bom em si, será um ato de legítima sabedoria se, quando for o caso, restringir as suas próprias necessidades, a fim de conservar ou aumentar a própria liberdade e de contentar-se com o menos possível para a sua pessoa, nas inevitáveis relações que tem que manter com o gênero humano.

(Arthur Schopenhauer, Aforismos para a sabedoria na vida, cap. V.B)







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