sexta-feira, 29 de maio de 2009

LXVI - Uma breve crítica ao cristianismo e a sua mais atroz forma: o (neo)pentecostalismo - parte 8 de 16.

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§ 66





2.5. Céu e paraíso



E sonhou: e eis que era posta na terra uma escada cujo topo tocava nos céus; e eis que os anjos de Deus subiam e desciam por ela. (Gênesis 28:12)

Essa é apenas uma das muitas passagens bíblicas, e qualquer um que lê o "sacro livro" atentamente sabe disso, que apresentam a seguinte idéia: deus vive, LITERALMENTE, no céu. Tal mensagem está por todo texto bíblico, inclusive no Novo Testamento, como se fosse uma verdade consumada. Não é por acaso que, até hoje, "céu" é utilizado por alguns como sinônimo de "paraíso".

Pensar que as divindades viviam no céu é algo extremamente lícito para a época em que foram escritos os textos bíblicos. Mas atualmente as coisas são bem diferentes.

É difícil de acreditar, eu sei, mas mesmo hoje muitos cristãos - aqueles mais ignorantes - ainda têm em seu subconsciente a visão de um céu-paraíso. Isso é testemunha do quanto "a massa" continua ignorante e infantilizada. E mesmo quando
el pueblo é apresentado à educação formal, ele insiste em não aplicar os conhecimentos aprendidos para questionar as "verdades" bárbaras da religião.

Mas o conceito de paraíso, por ser mais difuso e não especificar um local espacial, não deixa de ser problemático: ele nega a própria Bíblia, que todo tempo insinua, não adianta o leitor insistir que não, que deus vive no céu, o que era aceitável na época em que esses textos foram escritos, mas que hoje é, convenhamos, ridículo e estúpido. Novamente a imagem da Bíblia como a fonte da "verdade" fica maculada.

Este paraíso possui localização ignota: ou está nos confins do universo, ou está em um "universo paralelo", ou em "outra dimensão", ou, por fim, em qualquer lugar imaginável onde possa existir uma ordem de coisas diferente daquilo que conhecemos como "mundo material".

É muito fácil empurrar o esconderijo do nosso deus para cada vez mais longe, à medida que a evolução do conhecimento científico prova que eles não se encontravam onde outrora se pensou. Os deuses gregos não viviam no topo de um monte em cujo cume ninguém conseguia chegar (Olimpo)? É claro que você não vai ficar surpreso se eu lhe contar que ninguém mora no topo dessa montanha... Porém, há um problema em tentar levar a localização do paraíso para "outra dimensão" ou para "um universo paralelo". Novamente, a religião tenta se apropriar de conceitos científicos para tentar consertar um erro dela que a própria ciência demonstrou e jogou-lhe na cara.

O conceito científico de dimensões não possui ligação com "outro lugar", mas sim com "outra dimensão". Segundo as teorias físicas recentes baseadas nas p-branas, estas outras dimensões estariam acessíveis APENAS à força gravitacional, e um universo paralelo poderia surgir como resultado da influência dessa força, através dessas outras dimensões, sobre um conjunto de massa amorfo.

A pretensão de colocar o paraíso em uma "outra dimensão" ou em um "universo paralelo" é uma forma estapafúrdia de insistir no mesmo erro, mesmo depois de provada a sua incorreção.

Alguns, por outro lado, negam a existência de "um lugar" onde deus e os eleitos fiquem (perceberam que querer submeter deus ao espaço-tempo é patético): o paraíso seria o conjunto de divindades espirituais benévolas; assim, ele não seria espacial, e portanto não estaria em lugar algum.

De forma análoga, a Igreja Católica afirmou recentemente que o inferno não existe enquanto "um lugar", mas que ele se caracteriza por um estado de sofrimento causado exclusivamente pela "ausência de Deus". Então, imagino que qualquer um que já viva sem deus já esteja, de certa forma, no inferno, ou bem perto dele. O tal do "Deus" seria, pelo jeito, alguém tão ardiloso, arrogante e malvado que nos deu uma certa configuração "espiritual" feita para nos castigar com um grande sofrimento (tão grande que recebe o nome de "inferno") caso nós decidamos usar o nosso "livre-arbítrio" para nos afastarmos dele, que se julga o nosso senhor e legítimo proprietário. Essa "liberdade" com a qual o rapaz nos brindou se assemelha a uma escravidão. Depois não sabem por que Lúcifer teria se rebelado, e teria se rebelado junto com dois terços dos anjos - convenhamos, é improvável que dois terços de todas as criaturas angelicais teriam se voltado contra seu próprio criador se não houvesse motivos legítimos para fazê-lo.

Algo semelhante ocorre com os conceitos de "espírito" e "alma". Se o leitor não sabe, "psicologia" quer dizer estudo DA ALMA. Ocorre que até pouco tempo, a mente e a alma eram entendidas como uma mesma coisa. Mas agora, que os estudo científicos se apropriaram da "mente" enquanto objeto, a religião descobriu (como?) que o ser humano é um ser material, mental E ESPIRITUAL.

Eles não vão desistir tão facilmente da sua ignorância.

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Atenção: Como eu já disse no § 46, esse texto foi escrito em 2002, quando eu tinha 16 anos. Muito do que está escrito aqui já não representa com exatidão a minha atual forma de pensar. Porém creio que o texto ainda pode ser útil para aqueles que atualmente vivem situações (de apostasia) semelhantes às que eu vivi à época em que escrevi isso.

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Tempore, quo cognitio simul advenit, amor e medio supersurrexit.

sábado, 23 de maio de 2009

LXV - Meu deus! Quanto tempo eu fiquei sem saber ! Isso não poderia ter acontecido - #2: O Dia D e a insígnia da Besta.


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§ 65






Aqui há sabedoria. Aquele que tem entendimento calcule o número da besta, porque é número de homem; e o seu número é seiscentos e sessenta e seis. (Apocalipse 13:18)



"A sexta hora do sexto dia do sexto mês" foi assim que uma jornalista se referiu ao Dia D por ocasião da comemoração dos 60 anos do dia (06/06/1944) no qual os aliados executaram a maior operação militar de todos os tempos, desembarcando na Normandia e blá blá blá. Como nessa época da comemoração (06/06/2004) eu me interessava bastante por teorias da conspiração, eu não pude de deixar de atentar para a numerologia: "A sexta hora do sexto dia do sexto mês" = 666 e 1+9+4+4 = 18 = 6+6+6. Meu deus, como eu não percebi isso antes? Quantas vezes eu ouvi a frase "A sexta hora do sexto dia do sexto mês" sem que ela me remetesse a Apocalipse 13:18?

Embora a minha palavra seja altamente séria e confiável, eu me dei ao trabalho de pesquisar o assunto na Biblioteca Pública do Paraná (por que não achei o que eu queria na internet) a fim de tentar levar a você, leitor, mais confiança quanto à veracidade dessa informação que eu lhe trago. Encontrei vários livros sobre o Dia D. Vou apresentar algumas informações retiradas de um deles, as quais o leitor, se for tão desocupado quanto eu, poderá se dar ao trabalho de confirmar a veracidade.

O livro em questão é "O Dia D - 6 de Junho de 1944: A batalha culminante da Segunda Guerra", publicado por ninguém menos que a Biblioteca Nacional do Exército em 1997; as 755 páginas do documento foram redigidas por Stephen E. Ambrose. O livro é de "história oficial", foi escrito em tom ufanista e efusivo e não tem absolutamente nada a ver com teorias da conspiração. Ou seja é, para essa "nossa" investigação, uma fonte adequada.

Uma coisa que me chamou a atenção foi a questão da "sexta hora", o que era isso exatamente? Sem ela o Dia D seria tão satânico quanto a famosa Rodovia 66.

No texto "33 33 33 = 666: O Raciocínio Satânico da Nova Ordem Mundial" o pastor David Bay faz a seguite menção ao Dia D:

Por que os Aliados deliberadamente esperaram até o dia 6 de junho para atacar? O significado ocultista dos números nos dá a resposta:

Junho é o sexto mês do ano, de modo que corresponde a: 6

O ataque foi realizado no sexto dia do mês: 6

Os algarismos do ano, 1944, somados dão: 18 (6+6+6)

Assim, a data da invasão deu aos líderes ocultistas dos EUA e da Grã-Bretanha dois conjuntos de números criticamente importantes, um 66 e um 666. Os ocultistas crêem que '6' seja o número do homem, '66' seja o número do governo máximo do homem, e que o Senhor '666', o Anticristo, encabeçará esse governo perfeito. A Segunda Guerra Mundial foi uma das três guerras mundiais que os ocultistas aprendem que serão necessárias para preparar o Anticristo [leia o artigo N1015, "O Plano Demoníaco de Albert Pike Para a Implantação da Nova Ordem Mundial"]


Perceba que ele não faz menção à "sexta hora", graças a qual teríamos dois conjuntos de 666. Pois bem, Ambrose nos informa que não houve apenas um "Dia D", mas também uma "Hora H", que estava marcada para as 6:30 da manhã! É claro que se fosse as 6:00 ou as 6:18 os teóricos da conspiração ficariam mais felizes (no caso das 6:18 teríamos a agradabilíssima situação de encontramos três pares de 666). Mas, convenhamos, 6h30 não é de se jogar fora. Seguem citações que se referem à hora H:

"Os bombardeiros começariam ao nascer do sol e continuariam até H menos cinco minutos (o nascer do sol era às 5:58, a Hora H acertada para 6:30)." (página 141)

"Na Hora H, 6:30, oito LCT desembarcariam à esquerda, trazendo com eles para a praia a companhia A do 743° Batalhão de carros de combate." (página 142)

"Quando o primeiro raio de sol apareceu [na página 141 ficamos sabendo que o sol nascera faltando apenas 2 minutos para as 6 da manhã] Hezdte e a elite do sistema nazista marcharam para combatê-los. O primeiro contra-ataque significativo do Dia D estava a caminho. Lançaria uma força de elite americana contra uma força de elite alemã, um teste de sistemas." (página 285)

"Por volta das 6:00, os LCT restantes haviam desembarcado seus carros-de-combate flutuantes." (página 324)

Quanto à escolha do dia, li em pelo menos duas passagens do referido livro [infelizmente não anotei as páginas...] que o dia escolhido inicialmente fora 05/06 e que a data fora adiada para o dia seguinte por causa do mal tempo... Você acredita nisso? Eu também não. É só uma forma de disfarçar o plano original. Ou não.

E daí? O que tudo isso significa? Que os aliados se utilizaram de magia negra na Segunda Guerra? Que existe uma conspiração para nos escravizar? Que há gente paranóica e estúpida o bastante para dar atenção a tudo isso?

Sinceramente, não sei. Deixarei essa questão para a livre reflexão do leitor, uma vez que não tenho nenhuma para compartilhar.





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Tempore, quo cognitio simul advenit, amor e medio supersurrexit.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

LXIV - Acerca das críticas kantiana e schopenhaueriana aos argumentos teológicos.



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§ 64







Estamos ainda surdos ao rumor dos coveiros cavando o túmulo de Deus? Não sentimos ainda o mau cheiro da putrefação divina?... A coisa mais santa e poderosa do mundo sangrou sob as nossas facas... Proeza maior jamais foi realizada e, graças a ela, qualquer um que venha depois de nós viverá uma história maior que qualquer outra vivida antes. (Nietzsche, Assim falou Zaratustra)

A miséria religiosa é, à uma, expressão da miséria real e protesto contra a miséria real. A religião é o suspiro da criatura aflita; é o sentimento de um mundo sem coração e o espírito de condições nada espirituais. É o ópio do povo. (Marx, Contribuição para a crítica à filosofia do Direito de Hegel)

Kant teve um papel fundamental na derrubada dos pensamentos escolástico e teológico do pedestal de "verdades absolutas" em que eles se encontraram durante centenas de anos. Com esse nobre e imortal serviço prestado ao pensamento humano, Kant ajudou a abrir o caminho para o pensamento laico e livre da venenosa presença da religião em geral e da Igreja Católica em particular.

Na sua obra-prima, Crítica da Razão Pura, Kant derrota a teologia e a escolástica com sua próprias armas: as sutilezas metafísicas e os castelos de palavras. Na "seção terceira do capítulo terceiro do livro segundo da dialética transcendental" Kant nos revela que há somente três "argumentos da razão especulativa para inferir a existência de um ente supremo": ontológico, cosmológico e físico-teológico. As célebres seções seguintes são:

Seção quarta: Da impossibilidade de uma prova ontológica para a existência de Deus.
Seção quinta: Da impossibilidade de uma prova cosmológica para a existência de Deus.
Seção sexta: Da impossibilidade da prova físico-teológica.
Seção sétima: Crítica de toda teologia a partir de princípios especulativos da razão.

No meio da seção quinta, há ainda um estudo do seguinte tema: "Descoberta e explicação da ilusão dialética em todas as provas transcendentais da existência de um ente necessário."

Cabe lembrar que esses argumentos foram desenvolvidos pela teologia e pela escolástica e foramconsiderados verdades irrefutáveis durante séculos (e para algumas pessoas ainda são). Com relação ao argumento físico-teológico, Schopenhauer nos informa (na Crítica da filosofia kantiana, apêndice do Tomo I d' O mundo como vontade e como representação) que até mesmo Voltaire a considerava irrefutável.


Argumento ontológico.

Afirma basicamente que, se a razão é capaz de conceber o conceito de "ser perfeito", esse ser deve necessariamente existir, dado que existência é, também necessariamente, um dos atributos da perfeição (sic) (Digo sic pois, como não existe nada de perfeito nesse mundo, não entendo por que a "existência" seria um dos atributos do conceito de "ser perfeito").

Esse argumento é tão absurdo e estúpido que não surpreende o quanto Kant penou para refutá-lo com os argumentos mais sofisticados e hiperbólicos possíveis. Vemos aqui a típica "ciência da razão pura": a arrogância do nosso homo sapiens sapiens que acredita ter o poder de saltar para o "outro lado" por meio de uma simples palavra, e, com esse método vergonhoso, advoga a capacidade de conhecer efetivamente esse outro lado, inclusive conhecer a deus, com todas as suas sutilezas e cortejo de propriedades contraditórias. (O místico-matemático-filósofo Ouspenski é célebre em cair nesse erro grosseiro, não obstante ele se venda ridiculamente ao leitor como o verdadeiro descendente da doutrina kantiana.)

De forma resumida, Kant dá a seguinte resposta ao argumento ontológico: a existência é uma das categorias apriorísticas do entendimento e como tal não possui validade alguma a não ser quando aplicada a um objeto intuído no espaço-tempo (ou seja: um fenômeno, um objeto cuja existência é reconhecida por meio dos sentidos).

Argumento cosmológico.

Consiste em enumerar causas dos fenômenos, formando uma regressão de causas e efeitos, até chegar a uma "causa não causada", atribuída então a deus. Uma das versões desse argumento é aquela do "primeiro movimento" (que se não me engano é atribuído a Aristóteles, ou a Demócrito).

Segundo Kant, esse argumento pode ser reduzido ao anterior. Novamente temos aqui a ciência da razão pura, e a pretensão da razão de, partindo do mundo fenomênico, alçar vôo (nas asas das palavras vazias e definidas arbitrariamente) e alcançar o transcendente, o qual ela então afirma conhecer muito bem: diz que se trata de um ser, infinitamente inteligente, justo, bom, poderoso, etc (conhece-se o rosário sem fim).

Richard Dawkins, no seu livro (muito bom e cuja leitura recomendo veementemente) Deus, um delírio repete exaustivamente que esse tipo de raciocínio não esclarece absolutamente nada, pois se a realidade por nós conhecida (tão complexa e ao mesmo tempo harmoniosa) foi criada por um ser infinitamente poderoso e inteligente, então agora temos que explicar como tal ser pode existir, já que ele deve ser tão ou mais complexo quanto a sua crição. Ou seja, o problema da inexplicabilidade (que para Kant apenas existe porque a razão ultrapassa ilegitimamente os seus limites de ação - os limites do mundo material) apenas muda de nome: se antes o inexplicável era o mundo, agora, com essa "explicação" (que não explica nada), o inexplicável é deus.

Para Kant, não há absolutamente motivo algum para parar essa regressão da razão pura em deus, e então dizer algo do tipo "deus, por sua vez, sempre existiu". Ora, por que não aplicar isso ao próprio universo? Por que ele precisa ter sido criado por alguém? Obviamente, ele não precisa: as pessoas querem acreditar em deus, e querem por outro motivo que não uma pesquisa avalorativa e independente da razão. (Qualquer um que entrou numa igreja buscando exclusivamente a "verdade", e não algum tipo de auxílio, certamente saiu de lá em pouco tempo.)

Argumento físico-teológico

É algo mais ou menos assim: todos os seres da natureza cumprem algum fim, "servem para alguma coisa", logo deve haver um fim último, identificado com (adivinha?) deus.

Esse argumento é o mais famoso e existe sob as mais diversas formas (por exemplo: "argumento do Boeing 747", "argumento do Ulisses de Joyce", etc.), a mais famosa dela atualmente - 228 anos depois que Kant publicou a primeira edição da Crítica da Razão Pura - é a autodenominada "teoria do design inteligente".

O argumento físico-teológico, nos diz resumidamente Kant, utiliza indevidamente o conceito de fim. Ora, como na sociedade humana todos os objetos são, antes, planejados por alguém, o indivíduo (que quer a todo custo provar que o Papai Noel do qual ele depende emocionalmente tem que existir) lança um olhar para a natureza e, aplicando a ela o padrão observado na sociedade, infere da harmonia da natureza que ela, também, teve que ter um arquiteto (o nosso bom e velho deus). É tão difícil perceber que não é lícito sair dos limites da experiência (fenômeno/mundo) e pretender tirar, por meio da especulação da razão pura (pura de intuição espaço-temporal, pura de dados empíricos), da adequação a finalidades quaisquer conclusões referente a um ser superior (inclusive a conclusão de que esse ser (não) existe)?

Uma forma atual (e não metafísica) de criticar a atual "teoria do desing inteligente" é o "princípio antrópico", o qual, grosso modo, diz que não faz sentido nos maravilharmos com a perfeição (perfeição?! que perfeição?) do mundo (e dela pretendermos inferir a existência de um criador), se essa perfeição é uma condição necessária para a nossa própria existência (humana): se essa perfeição não existisse, também nós não existiríamos para podermos nos espantar com ela. (Para saber mais sobre o princípio antrópico, remeto ao livro de Richard Dawkins, mencionado acima, e ao livro O universo numa casca de noz de Sthephen Hawking.)

Schopenhauer (na Crítica da filosofia kantiana, apêndice do Tomo I d' O mundo como vontade e como representação) nos diz, entre outras coisa, o seguinte sobre o argumento físico-teológico:

Porém, depois que, através de Kant, o mundo e a sua ordem tornaram-se mero fenômeno, cujas leis repousam prioritariamente nas formas de nosso intelecto, a existência e a essência das coisas e do mundo não precisam mais ser explicadas, de acordo com a analogia das mudanças percebidas ou efetuadas por nós no mundo, nem aquilo que nós compreendemos como meio e fim teria nascido em consequência de um tal conhecimento.




Argumento keraunológico

Na já mencionada Crítica da filosofia kantiana, Schopenhauer, após fazer seus devidos comentários sobre os três argumentos teológicos, apresenta-nos um quarto:

Kant, como foi dito, só trata da crítica dessas provas da teologia especulativa e limita-se à Escola. Se, em vez disso, ele tivesse diante dos olhos também a vida e a teologia populares, teria que acrescentar às três provas ainda uma quarta, que é, para a grande massa, a única propriamente eficaz e que, de modo mais condizente com a linguagem técnica de Kant, deveria ser chamada de prova keraunológica (para a multidão): é aquela que se fundamenta no sentimento de necessidade e de ajuda, de impotência e de dependência dos homens em relação às forças da natureza, infinitamente superiores, insondáveis e muitas vezes ameaçadoras; a que se associa sua inclinação natural a personificar tudo e, finalmente, ainda acrescenta-se a esperança de conseguir algo, através de rogos, adulações, bem com de oferendas.

Quanto à "teologia popular", essa já foi tão criticada por tantos pensadores (o precursor foi Hume) que para mim é quase incompreensível como ela ainda subsista até hoje, de tal forma que não há outra explicação que não a rudeza del pueblo. Mesmo esse blog apresenta argumentos contra tais crenças tolas.

Com relação à discussão que gira em torno do argumento de que "é natural" ao homem acreditar em deus, é preciso deixar bem claro que, se alguma coisa é natural no homem, não seria a crença no deus judaisco-cristão-escolástico, mas sim uma regiliosidade baseada no argumento keraunológico, isto é, na necessidade de comerciar com um suposto poder superior a fim de conseguir proteção, conforto, e vantagens.

Com relação ao panteísmo que busca identificar o mundo com deus, Schopenhauer (cap V de Parerga e Paralipomena) nos diz que esse argumento não diz nada (surpresa), pois apenas acrescenta um sinônimo desconhecido e supérfluo (deus) a algo que nós já conhecemos (o mundo), enquanto deus continua tão desconhecido quanto antes. Se se quer atribuir alguma sacralidade ao mundo, não é necessário personificá-lo e criar um monte de mentiras extravagantes em torno dessa personificação.

Com relação ao panteísmo de Espinosa (e aqui vale lembrar que Einstein dizia que acreditava no deus de Espinosa, não no deus judaico-cristão-escolástico), ele é, na prática, um ateísmo. Pois um deus que não se importa com a humanidade em geral (e com o devoto e particular), um deus para o qual não adianta rezar pois ele não quebrará a ordem de um mundo por ele mesmo criada, esse deus, dizia eu, não serve para nada do ponto de vista do real motivo pelo qual as pessoas acreditam em deus.

A pretensão de acreditar que todos os povos acreditam em algo semelhante ao deus judaico-cristão-escolástico não sobrevive a uma investigação histórica e antropológica (e já no século XVIII David Hume publicou o ótimo História natural da religião mostrando isso).

Gostaria de aproveitar o momento e fazer uma citação de Freud no seu texto O futuro de uma ilusão (a ilusão em questão é a religião). Diante da afirmação "creio porque é absurdo" (atribuída a Tertuliano e que pretende colocar a religião acima dos limites da razão), Freud inquiri: "Devo acreditar em todos os absurdos? E caso não, por que nesse em particular?" De forma análoga, Richard Dawkins nos informa do insucesso da "teoria do bule flutuante", segundo a qual haveria um bule de chá na órbita de Júpiter. Freud diz ainda que as experiências de revelação divina, mesmo que sejam verdadeiras, não podem ser impostas aos outros como sendo provas.

Por fim, mesmo que esses argumentos teológicos fossem verdadeiros, a necessidade de um criador não prova nada a respeito do cristianismo (ou de qualquer outra religião monoteísta): pois existe um abismo gigantesco entre simplesmente admitir que o mundo tem que ter sido criado por alguém e admitir como igualmente verdadeiro cada dogma particular de cada religião monoteísta (por exemplo: que esse mesmo criador se fez humano, que nasceu de uma virgem, que morreu assassinado por nós em sacrifício a si mesmo para expiar os nosso pecados, porque ele nos ama e, por ser justo, não quis quebrar as regras que ele mesmo criou, e que ele nos julgará quando morrermos, ou mesmo em vida, etc.).

P.S. (1): Para quem pensa em me falar do Kant da Crítica da razão prática, lembro que a filosofia schopenhauriana, entre outras, demonstrou que é possível fundamentar a moral na compaixão, e não na necessidade egoística de ser castigado ou recompensado (por deus) pelos seus atos.

P.S. (2): O bom e velho Hegel "reabilitou" as provas da teologia racional, a começar pelo argumento ontológico. Quem quiser saber a esse respeito (e eu provavelmente não viverei o bastante para ter tempo para isso), pode ler os seguintes textos do summus philosophus: Lições sobre a filosofia da religião, A noção da religião, A religião absoluta e As provas da existência de Deus. Na Estética (A idéia do belo, I), Hegel mesmo afirma que a filosofia "não tem outro objeto além de Deus, ela é essencialmente teologia a serviço divino." É claro que Hegel, como um porta-voz do establishment, simplesmente não tem lugar nesse blog.







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Tempore, quo cognitio simul advenit, amor e medio supersurrexit.

sábado, 9 de maio de 2009

LXIII - Uma breve crítica ao cristianismo e a sua mais atroz forma: o (neo)pentecostalismo - parte 7 de 16.


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§ 63




2.3. Ilusões sensoriais



Imagine que o leitor já vivenciou, em algum breve momento de sua vida, um dos dois fenômenos, senão ambos, que descreverei. É possível que tenha que se esforçar para lembra-se deles - de tão irrelevantes que eles são atualmente.

Às vezes somos acometidos, em um momento qualquer, por um chiado ou zumbido em nossos ouvidos. Às vezes, também, temos pequenas e sucintas deformações nas imagens que vemos do mundo à nossa volta; luzes fortes (brancas ou coloridas) podem nos fazer "névoas" (cujas cores são o inverso da cor da luz inicial), e manchas, as quais surgem em nosso campo de visão e quando nos movemos para enquadrá-las melhor elas "fogem" (se movem junto conosco).

Atualmente esses fenômenos são irrelevantes; e ninguém civilizado, espero eu, deve duvidar que são respostas fisiológicas à alguma ação do meio (na verdade eu sei que há gente que não sabe disso). Porém, quem garante que, no passado, quando não havia conhecimentos biológicos e tampouco aparelhos audio-visuais - que dissipam, com seu dinamismo e colorido, a nossa atenção a esses pequenos acontecimentos -, estes fenômenos não eram interpretados de forma animista como verdadeiras manifestações de espíritos, como o eram os ventos, a chuva, etc.?


2.4. A imutabilidade de deus


Todo o texto de Deuteronômios capítulo 32 é assustador, com destaque para:

"39. Vede, agora, que eu, eu o sou, e mais nenhum deus comigo; eu mato e eu faço viver; eu firo e eu saro; e ninguém há de escapar da minha mão.
"(...) 41. Se eu afiar a minha espada reluzente e travar do juízo a minha mão, farei tornar a vingança sobre meus adversários e recompensarei os meus aborrecedores.
"42. Embriagarei as minhas setas de sangue, e a minha espada comerá carne; do sangue dos mortos e dos prisioneiros, desde a cabeça, haverá vingança do inimigo."

Qual não é a surpresa do leitor ao saber que quem pronuncia estas palavras é nada mais nada menos do que o velho e bom Jeová? Sim, o mesmo cuja benignidade dura para sempre.

Em todo o Velho testamento é construída a imagem de um deus vingativo, irado, ciumento, e que apenas possui alguma (pouca) compaixão para com o seu povo eleito. Como explicar que, de repente, uma figura transcendental, um ser que existia antes mesmo dele ter criado o tempo e o espaço, mude as suas características como a moça muda de vestido?

Acreditar que o sacrifício de deus a si mesmo trouxe nova esperança é uma coisa. Mas é demais acreditar que esse mesmo deus, para não contrariar os princípios e regras por ele criados e válidos para a sua criação (não para ele), se dividiu em três partes, duas das quais ganharam características que ele não possuía e que esqueciam seu pacto com o povo judeu (advogando uma salvação universal), modificando assim as características de um ser eternos. Como um ser eterno que está fora do tempo pode mudar?




Atenção: Como eu já disse no § 46, esse texto foi escrito em 2002, quando eu tinha 16 anos. Muito do que está escrito aqui já não representa com exatidão a minha atual forma de pensar. Porém creio que o texto ainda pode ser útil para aqueles que atualmente vivem situações (de apostasia) semelhantes às que eu vivi à época em que escrevi isso.


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Tempore, quo cognitio simul advenit, amor e medio supersurrexit.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

LXII - Acerca do papel social motriz de indivíduos que dedicam toda sua vida ao trabalho em prol de outrem - Eles movem a sociedade.


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§ 62




Tudo nesse mundo acaba em patifaria e um homem que, por vontade dos outro e não por seu próprio desejo e sua própria necessidade, mata-se de trabalhar por dinheiro, por honra ou qualquer outra coisa, será sempre um tolo. (Werther, em Os sofrimentos do jovem Werther, de Goethe, Parte I, carta de 20 de julho)


Essas pessoas geralmente são homens, homens que trabalham na área das ciências exatas, principalmente nas engenharias. Vivem a vida toda em prol de outrem.

Sacrificam juventude e beleza (se é que um dia a possuíram) em função dos estudos, estudos, estudos.

Tornam-se tecnicistas. Todo o seu ser está voltado para a atuação na área em que se especializaram. Sua vida se resume ao trabalho, trabalho, trabalho, trabalho. Trabalho. Na empresa, tendem a ser contabilizados como "móveis e utensílios". Eles buscam por meio da auto-alienação fornecida pelo trabalho um meio de contornar (esquecer) os seus problemas emocionais não resolvidos.

Podem ser identificados facilmente pelo rosto acinzentado, pelo olhar de andróide, pela falta de idéias originais sobre qualquer assunto que não diga respeito a sua profissão (e às vezes sobre esse assunto também), e pelo mal-gosto com que costumam se vestir (por desconhecerem qualquer coisa acerca de estética).

Casam-se e passam a trabalhar para sustentar as regalias (que não são poucas) dos filhos e, às vezes, também da esposa. Os filhos geralmente não seguem a mesma área do pai (pois ele é um bom exemplo do que eles não devem ser), e quando o fazem é comum que não tenham o mesmo "sucesso" do pai, pois sabem, pelo acompanhamento da experiência do pai, o quanto esse tipo de vida é vazio.

Com o tempo, esses homens tornam-se obesos, doentes, impotentes, depressivos (com direito à medicação de tarja preta) e eternamente mal-humorados. Tudo isso sem perder a subserviência típica de alguém que vive para servir a outrem.





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Tempore, quo cognitio simul advenit, amor e medio supersurrexit.