sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

XCI - Uma breve crítica ao cristianismo e a sua mais atroz forma: o (neo)pentecostalismo - parte 15 de 16.

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§ 91





3.6. A glossolalia


Depois de ser “batizado com o Espírito Santo” (o que em geral só ocorre depois do “batismo nas águas”,o qual por sua vez geralmente exige que o fiel participe de um pequeno curso, bem menos extenso que a catequese católica) o indivíduo se torna propenso a receber alguns dos tais dos “dons do Espírito Santo”, para manter um conectivo com Atos 2: 38 (como é sabido, os evangélicos se vangloriam de seguirem a Bíblia bem mais rigorosamente do que os católicos; no caso das seitas (neo)pentecostais, esse costume pode assumir feições verdadeiramente cômicas, pois tudo o que é dito deve estar fundamentado em alguma passagem bíblica, nem que a ligação seja totalmente tosca e descontextualizada (1)).

Novamente, não é difícil notar que todos esses dons xamânicos são de cunho psicológico, como “interpretação de sonhos”, “visões” (previsões do futuro) e “detecção de amarras espirituais” (descobre-se o que está impedindo outrem de “crescer espiritualmente”), entre outros. O único desses dons que se manifesta aos sentidos alheios (que não apenas ocorre dentro da cabeça do fiel) é o chamado “dom de falar a língua dos anjos”. Segundo os (neo)pentecostais, deus “irá compreender melhor” (?) os pedidos e louvores enunciados nessa língua (não sei por que um ser onisciente e criador do universo iria ter mais facilidade em usar um idioma a outro qualquer).

Não obstante ser a língua dos anjos supostamente um idioma único, cada um dos fiéis, não obstante a tendência humana ao mimetismo, costuma enunciar “frases” próprias. Todavia há algumas que se repetem. Em minhas observações in loco desses fenômenos eu constatei uma que se repetia bastante, que eu imagino que seja passada pelo fator “exemplo dado” do CDIPL e cujo som é mais ou menos o seguinte: /Chúricanta lacháia/.

O “embasamento bíblico” para o fenômeno de “falar em línguas” seria supostamente o segundo capítulo do livro de Atos. Uma atenta leitura de tais linhas permite constatar o óbvio: é descrito, sim senhor, um fenômeno no qual se “fala outras línguas”, mas essas outras línguas são outros idiomas, falados pelos mais diferentes povos da humanidade (e refletindo assim já aqui a pretensão de universalidade do cristianismo). É muito diferente falar, por milagre, outros idiomas existentes, e falar, supostamente por milagre, um suposto idioma que ninguém conhece e com o qual é impossível duas pessoas dialogarem (já que cada uma desenvolve “frases” próprias e aparentemente não intercambiáveis) e o qual é atribuído à linguagem angelical sem qualquer embasamento além da fé (como se eles precisassem de outro).

Na verdade, uma breve e relapsa pesquisa sobre esse assunto nos permite descobrir que o primeiro fenômeno (falar, por milagre, outros idiomas existentes) é chamado de “xenolalia” (ato sobrenatural de falar línguas que o falante não domina), enquanto o segundo é chamado de “glossolalia” (ato sobrenatural de falar línguas desconhecidas). Em minhas pesquisas não encontrei qualquer registro de casos de xenolalia (2). A glossolalia você pode conferir na igreja (neo)pentecostal mais próxima da sua casa.

Depois de tudo que observei, posso afirmar, sem dúvida, que todos os fenômenos de “falar em línguas” que presenciei eram glossolalias e que tinham gênese psicológica – não há, portanto, nada de “sobrenatural” ocorrendo nesses cultos.

Não sou psicólogo para aqui desenvolver uma explicação psicológica para esse fenômeno da glossolalia (neo)pentecostal – e garanto que muitos psicólogos não poderão desenvolver explicação alguma, muito menos aqueles que engrossam as fileiras do (neo)pentecostalismo (sim, isso existe!). Todavia, arrisco-me a tentar elucidar o que pode ser um dos componentes responsável por esse fenômeno.Retornemos ao CDIPL, ao fator “concepção materna de deus”. A associação do divido com a figura materna pode abrir, no subconsciente do indivíduo, reminiscências da relação do bebê com a mãe. O bebê possui forte ligação com a mãe, ele sente-se uma extensão do corpo dela, ou, antes, a sente como uma extensão de si. Porém há algo que separa a criança da unidade primeva com a mãe, e que aproxima a mãe dos outros (e do pai): a linguagem, essa coisa incompreensível para o bebê. O processo de maturação da criança passa pelo processo de desvendamento dos segredos da linguagem. São essa lembranças que um deus-mãe pode trazer: de uma linguagem incompreendida e misteriosa e do esforço para conhecê-la. Essas lembranças, ativadas num momento de contrição e de remeximento do inconsciente, culminariam com a expressão verbal, pelo fiel, daquilo que ele ouvia e não entendia: essa língua desconhecida que vêm a tona no fenômeno da glossolalia (neo)pentecostal.


3.7. "Não sofra mais"


Chega a ser assustador e grotesco o caráter de auto-ajuda que ganharam os cultos (neo)pentecostais. “(...) Pare de ficar sofrendo de complexo inferior. Dizendo ao mundo que não é ninguém. Eu venho falar do valor que você tem (...)” diz um dos cânticos que pode ser ouvido nos cultos dessa instituições.

Como exemplo concreto, segue-se um folheto de um templo (neo)pentecostal (eu omiti os dados de identificação da instituição) que caiu-me às mãos há algum tempo. O conteúdo de auto-ajuda é tão explicitamente ingênuo que eu considero prolixo descrevê-lo.





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(1) Nota pare esse blog: No capítulo ### 28 veremos muitos exemplos dignos de programas de televisão do naipe de Zorra Total ou de A praça é nossa.

(2) Nota pare esse blog: Caso o leitor conheça algum registro, ficarei grato em conhecê-lo.


Atenção: Como eu já disse no § 46, esse texto foi escrito em 2002, quando eu tinha 15 anos. Muito do que está escrito aqui já não representa com exatidão a minha atual forma de pensar. Porém creio que o texto ainda pode ser útil para aqueles que atualmente vivem situações (de apostasia) semelhantes às que eu vivi à época em que escrevi isso.

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Tempore, quo cognitio simul advenit, amor e medio supersurrexit.

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